Reproduzimos a seguir, na íntegra, artigo publicado pelo Engenheiro Lucas Ramires, face a importância que a Engebrac Engenharia dá ao tema.

Saudações aos colegas. Peço licença para provocar uma reflexão e/ou discussão: a possibilidade de falha humana no Projeto Estrutural é tratada adequadamente pelos responsáveis? Em geral, em minha opinião, não como deveria ou poderia…

Um antigo mentor costumava dizer:

Projeto Estrutural é mesa de cirurgia.

Guardadas as devidas proporções, sempre achei extremamente válida a comparação. Ele me fazia lembrar de coisas que podem facilmente ser esquecidas no meio das demandas do dia-a-dia de um escritório de cálculo: responsabilidade direta para com inúmeras Vidas, complexidade dos procedimentos envolvidos, necessidade de foco, concentração, disciplina, experiência, organização, conhecimento teórico profundo, gerenciamento das próprias emoções sob tensão, entre outras. Pequenos erros podem ser fatais

Recentemente a própria medicina, ao investigar as causas de insucessos de procedimentos cirúrgicos, percebeu que uma gama enorme (ENORME) desses insucessos poderia ter sido evitada. Para combater o problema, foram revisar as lições da aviação, energia nuclear, e outras indústrias, reconhecidas como organizações altamente confiáveis.

A anestesiologia, por exemplo, foi por muito tempo considerada mais perigosa do que a cirurgia em si. Os experts da área partiram do reconhecimento de um fator determinante: a falha humana. Estudaram detalhadamente fatores contribuintes como inexperiência, pouca familiaridade com equipamento, comunicação deficiente entre membros da equipe, pressa, desatenção, fadiga e desenho deficiente dos equipamentos. Em uma década a taxa de mortalidade associada à anestesiologia geral em países desenvolvidos caiu mais de 95% (de 1 em 5.000 para 1 em 200.000 casos).

Já na aviação, nem sempre foi como é hoje. Até onde estudei o assunto, até a década de 1970 os responsáveis pela segurança de voo analisavam exclusivamente os riscos de ordem técnica. A partir desse período houve um avanço tecnológico significativo que modificou o foco da segurança, direcionando-o ao fator humano da operação aérea. Percebeu-se que as catástrofes ocorriam não por um fator isolado, mas por uma combinação de fatores. Os números variam conforme a fonte, mas indicam que a falha humana é apontada como componente principal em 80% dos acidentes aéreos. Já ouvi alguém se reportar às listas de verificação de voo como “escritas à sangue”.

Elementos de sucesso para prevenção de acidentes, tanto na medicina como na aviação, parecem ter sido itens como:

– reconhecimento dos riscos associados a possibilidade de falha humana (RECONHECER essa possibilidade e ATUAR sobre ela parece ser um grande obstáculo.)
– condições ambientais planejadas para o exercício das tarefas
– protocolos inteligentes de trabalho
– listas de verificação
– investigação das causas dos problemas
– padronização de trabalhos/rotinas/comunicação/etc
– treinamento padronizado
– entre outros (não quero me alongar)

Dito tudo isso volto ao tema projeto estrutural.

Pode ser um botão apertado acidentalmente, uma carga esquecida, uma pequena alteração sem a devida checagem, um desenho que saiu errado, um julgamento feito às pressas, uma consideração equivocada, uma quantidade digitada errada, um “Ctrl+C/Ctrl+V”, e uma falha grave poderá estar sacramentada. Basta uma pequena distração e… pronto, o Projeto Estrutural pode estar severamente comprometido e você nem percebeu.

Basta um dia ruim, ter dormido mal, pressão do cliente ou ter se desentendido com alguém que até mesmo o melhor engenheiro também poderá deixar erros passarem. O que dizer dos menos experientes…

TODO MUNDO ERRA… Existe uma área da psicologia que estuda especificamente a natureza do erro humano.

Como, por exemplo, sabendo que a capacidade de atenção humana é limitada, diante de tantas e tão complexas situações que envolvem um Projeto Estrutural, é possível evitar que problemas dessa natureza aconteçam?

As estratégias para lidar com a importância da tarefa, que já vi por aí (e também já fiz), costumam ser mais ou menos assim: Não atender o telefone; Ir para uma sala fechada; Revisar “n” vezes a mesma coisa; Pedir para outra pessoa revisar; Chegar antes de todos no escritório para conseguir se concentrar adequadamente; Ficar até mais tarde, quando ninguém irá interromper; etc. Paliativos que na minha experiência podem se mostrar bastante ineficazes. Podem dar uma “sensação de segurança” e, ainda assim, possuir vícios seríssimos.

Pergunto aos colegas:

– Em geral, temos a PERCEPÇÃO CORRETA dos riscos associados à possibilidade de falha humana e de como tratá-los ao longo da elaboração de um projeto, nas pequenas tarefas do dia-a-dia?
– Como os colegas garantem (GARANTEM) que o projeto não guarda uma falha humana significativa no seu interior?
– Revisam? Essa revisão é padronizada em termos de COMO revisar e O QUE revisar?
– Como garantem que a equipe de trabalho fez tudo que se espera que ela faça? Baseiam-se “apenas” na confiança? Quando supervisionam o trabalho de alguém “apenas passam os olhos” ou vão “a fundo”?

Desde já agradeço as opiniões e comentários,

Cordialmente,

Lucas Ramires
São Paulo

PS: Por mais de 8 anos me debrucei sobre esse assunto no “campo de batalha”. Trabalhei especificamente com auditoria de projeto estrutural, catalogação de erros, verificação de causas de erros, padronização, treinamento de engenheiros, e estabelecimento de procedimentos (para calcular, para detalhar, para revisar) para, especificamente, evitar que erros acontecessem em projetos estruturais. Foram centenas de projetos e dezenas de engenheiros envolvidos. Estou pensando em divulgar alguns artigos sobre essa experiência de imersão na luta contra a ocorrência de erros na elaboração de projetos estruturais, sobre o que funciona e o que não funciona, com o propósito de contribuir com a comunidade. Não tenho visto iniciativas específicas sobre esse tema (se alguém souber me avise, por favor).

Quem tiver interesse em receber estes artigos pode cadastrar seu e-mail nesse link:

http://estruturasegura.com.br/com_tqs